O Senhor produziu da terra os medicamentos; o homem sensato não os
desprezará, aconselha o Eclesiástico, 39, 4; no entanto, muito antes desta alusão no texto
sagrado à fitoterapia, ou medicação pelas plantas, já fora criado, divulgado e transmitido,
entre as mais antigas civilizações conhecidas, o hábito de recorrer às virtudes curativas
de certos vegetais; pode afirmar-se que se trata de uma das primeiras manifestações do
antiquíssimo esforço do homem para compreender e utilizar a Natureza como réplica a
uma das suas mais antigas preocupações; a que é originada pela doença e pelo
sofrimento.
É admirável que todas as civilizações, em todos os Continentes, tenham
desenvolvido, a par da domesticação e da cultura das plantas para fins alimentares, a
pesquisa das suas virtudes terapêuticas. Mas é talvez ainda mais admirável que este
conjunto de conhecimentos tenha subsistido durante milênios, aprofundando-se e
diversificando-se, sem nunca, porém, cair totalmente no esquecimento.
A utilização das propriedades do ópio obtido da dormideira ( Digitalis lanata ), 4
mil anos antes de se conhecer o processo de extração da morfina, é, sob esse ponto de
vista, bem significativa da perenidade destes conhecimentos, que durante muito tempo
permaneceram empíricos, e que, desde há alguns séculos, o processo das ciências
modernas tornou mais rigorosos.
Mesmo atualmente, apesar do espetacular desenvolvimento da quimioterapia, a
fitoterapia continua a ser muito utilizada, readquirindo até um certo crédito desde que
foram divulgadas as conseqüências, por vezes nefastas, do abuso dos compostos
químicos.
Para se ter uma visão de conjunto do progresso dos conhecimentos humanos
referentes às plantas medicinais, devem distinguir-se 3 grandes períodos. Durante as
Antigüidades Egípcias, Grega e Romana acumulam-se numerosos conhecimentos
empíricos que serão transmitidos, especialmente por intermédio dos árabes, aos herdeiros
europeus dessas civilizações desaparecidas.
Finalmente no final do século XVIII, o progresso muito rápido das ciências
modernas veio enriquecer e diversificar em proporções extraordinárias os conhecimentos
sobre as plantas, os quais atualmente se apoiam em ciências tão variadas como a
Paleontologia, a Geografia, a Citologia, a Genética, a Histologia, e a Bioquímica.
Também podemos observar o conhecimento progressivamente adquirido das
regras de dosagens específicas para cada droga; esta prática ampliou-se ao fabrico e à
administração de todos os remédios e pode-se afirmar que nasceu assim a receita médica
e a
respectiva posologia.
Estes conhecimentos médicos iniciados no antigo Egito, divulgaram-se
nomeadamente na Mesopotâmia. Em 1924, o doutor Reginald Campbell Thompson, do
Museu Britânico, conseguiu identificar 250 vegetais, mineiras e substâncias diversas
cujas
virtudes terapêuticas, os médicos Babilônios haviam utilizado, especialmente a beladona,
administrada contra os espasmos, a tosse e a asma; os pergaminhos da Mesopotâmia
mencionam o cânhamo indiano, ao qual se reconhecem propriedades analgésica que se
receita para bronquite reumatismo e insônia.
O longo período que se seguiu no Ocidente, a queda do Império Romano,
designado universalmente por Idade Média, não foi exatamente uma época caracterizada
por rápidos progressos científicos. Os domínios da ciência, da magia e da feitiçaria,
tendem freqüentemente a confundir-se; drogas como meimendro-negro, a beladona e a
mandrágora, serão consideradas como plantas de origem diabólica.
Assim Joana d Arc será acusada de atormentar os ingleses pela força e virtude
mágica de uma raiz de mandrágora escondida sob a couraça. Contudo não é possível
acreditar que na Idade Média se perderam completamente os conhecimento adquiridos
durante os milênios precedentes.
O desenvolvimento das rotas marítimas coloca efetivamente a Europa no centro
do mundo, os produtos dos países longínquos abundam e entre eles as plantas até aí
desconhecidas, com virtudes por vezes surpreendentes os conquistadores suportaram eles
próprios a experiência das propriedades mortais do curare; a casca de quina é utilizada
para baixar a temperatura nas febres palúdicas muito antes de se ter conhecimento de
como dela se extrair a quinina; a América dá ainda a conhecer as virtudes anestésicas e
estimulantes da folha de coca. No encalce dos descobridores prosseguem os
exploradores, missionários como o padre Plumier, botânicos como Tournefort, que, em
1792, regressa do Oriente com 1356 plantas então desconhecidas na Europa.
Finalmente, os esforços de classificação culminam em 1735 com a publicação do
SYSTEMA NATURAE, de Lineu. O grande naturalista sueco adota como princípio de
distinação e classificação a distribuição dos órgãos sexuais nas flores e as características
dos órgãos masculinos, os estames. Para ele, os dois grandes ramos em que se divide o
reino vegetal são o das Criptogânicas, em que os estames e o pistilo são invisíveis a olho
nu, e o das
Fanerogâmicas, em que estes são visíveis. Dentro destas últimas, por sua vez,
estabelecem-se 23 classes, segundo critérios morfológicos. Depois de Lineu, os trabalhos
dos irmãos Jussieu, Josseph, Antoine e Bernard, bem como os de seu sobrinho, Antoine
Laurent de Jucieu, desenvolveram ulteriormente a botânica descritiva e contribuiram para
o aperfeiçoamento da classificação sistemática, sem terem esgotado todas as suas
possibilidades.
Se fizer uma retrospectiva do caminho percorrido desde as primeiras receitas
conhecidas da época da sexta dinastia Egípcia, verificar-se-á que foi uma longa
caminhada; contudo, comprovar-se-á que ela sempre se desenvolveu na mesma direção,
sem mudanças radicais. O catálogo das plantas medicinais enriqueceu-se, a descrição das
características dos simples e a indicação de suas utilizações foram aprofundadas, a
classificação das suas espécies foi feita com base científica.
A medicina pelas plantas: um longo percurso que não está ainda próximo do fim...